Editorial – Mais deputados, mais representação ou mais gastos?
Editorial desta quarta-feira (07)
A Câmara dos Deputados deu nesta semana o primeiro passo para uma das mudanças mais polêmicas e sensíveis no atual cenário político: a aprovação da urgência na tramitação do Projeto de Lei Complementar 177/2023, que prevê o aumento de 513 para 531 o número de deputados federais no Brasil. Em meio a discursos inflamados e divergências internas até mesmo entre parlamentares do mesmo partido, a discussão coloca em pauta um dilema que vai muito além da matemática legislativa: a quem realmente serve esse acréscimo de cadeiras no Congresso Nacional?
A proposta surge como resposta a uma cobrança do Supremo Tribunal Federal (STF), que atendeu a uma ação do governo do Pará alegando omissão do Congresso na atualização do número de deputados com base na evolução demográfica. De fato, a Constituição Federal é clara: a representação na Câmara deve respeitar a proporcionalidade da população de cada estado, o que não ocorre desde 1993. O Censo de 2022, realizado pelo IBGE, escancarou essa defasagem.
No entanto, ao invés de redistribuir as vagas entre os estados — como manda o bom senso e a própria Carta Magna —, o projeto opta por uma saída política e pouco corajosa: aumentar o número total de deputados, mantendo intactas as bancadas dos estados que, segundo os dados populacionais, deveriam perder representação. Com isso, evita-se o desgaste político de “tirar” cadeiras de estados historicamente mais influentes, mas cria-se um novo problema: o inchaço do parlamento.
É compreensível o argumento da deputada Dani Cunha (União-RJ), autora do PLP, de que o Congresso precisa assumir sua responsabilidade legislativa antes que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o faça. Mas é difícil engolir a ideia de que essa correção precisa necessariamente resultar em mais cargos públicos. Já são 513 deputados — um número que por si só já representa uma máquina dispendiosa, muitas vezes questionada pela população em termos de eficiência, representatividade e retorno concreto.
O deputado Kim Kataguiri (União-SP), opositor à proposta dentro do mesmo partido de Dani Cunha, tocou na ferida ao classificar o projeto como um dos piores em tramitação. E não está sozinho. A medida tem potencial para aumentar os custos da Câmara em meio a uma crise fiscal contínua, sem que haja garantias de que o acréscimo de cadeiras represente de fato maior justiça social ou política.
O relatório apresentado pelo deputado Damião Feliciano (União-PB) tenta suavizar a ampliação de 3,5% no total de deputados, argumentando que o crescimento populacional foi de mais de 40% nos últimos 40 anos. Mas não se trata apenas de porcentagem — trata-se de coerência institucional, respeito à Constituição e responsabilidade fiscal.
Mais grave ainda é a possibilidade incluída no projeto de se desconsiderar os dados do Censo de 2022 caso o Tribunal de Contas da União (TCU) não os considere confiáveis. Ao abrir essa brecha, o projeto permite interpretações políticas de um dado técnico, o que pode comprometer ainda mais a credibilidade das instituições envolvidas.
Em um momento de descrença generalizada na política e no serviço público, qualquer proposta de ampliação da máquina estatal precisa ser tratada com extrema cautela, diálogo e transparência. O Brasil precisa de mais representatividade, sim — mas não às custas de soluções paliativas, acordos de bastidores ou projetos que driblam o verdadeiro espírito da Constituição.
Que o Congresso Nacional, diante da responsabilidade histórica que lhe foi conferida, esteja à altura do debate — e não do oportunismo.