Somos a geração que não consegue se colocar no lugar do outro, diz Filósofo Fabiano de Abreu
Não é raro vermos nos transportes públicos, nos bares ou até mesmo à mesa de jantar nos lares, pessoas agarradas…
Não é raro vermos nos transportes públicos, nos bares ou até mesmo à mesa de jantar nos lares, pessoas agarradas aos seus telefones, de olho nas telas, totalmente alheios ao que se passa ao redor. Com isso, mais do que nunca, muitos especialistas ressaltam que o individualismo e a indiferença está atingindo níveis alarmantes.
O filósofo e escritor Fabiano de Abreu tem pensado neste fenômeno comportamental e chegou à uma dura conclusão, de que hoje somos a geração que não consegue se colocar no lugar do outro: “Separados por uma tela, a nova sociedade virtual não alcança o outro, por isso, não consegue se colocar em seu lugar. Estamos vivendo o maior individualismo da história humana.
A falta da empatia, do toque físico, do acolhimento, do contato ocular e na ausência da presença física faz com que a pessoa não veja o outro, não o perceba, não note a presença do outro e, consequentemente, não se coloque no lugar dele”.
O virtual cada vez mais nos afasta das pessoas do mundo real
Para Fabiano, a rede social serve como uma vitrine virtual de vaidade e pseudo-felicidade, onde todos exibem vidas supostamente perfeitas e até concorrem entre si: “A necessidade da felicidade como objetivo, e não como consequência, faz com que criemos um mundo irreal em que, para o outro, você é feliz mas não para si mesmo. Esse mundo perfeito exposto na mídia social criou uma disputa para sermos mais e melhores que os outros. Na era do virtual, temos dificuldade em admitir que somos apenas humanos. Isso nos desliga do outro, nos fazendo viver cada um a sua realidade inventada e estagnada nas fotos das redes sociais. Temos vidas fictícias fragmentadas em momentos e apenas nos alegra o impacto que isso causa no outro, um clique. Assim, ama-se tanto a si mesmo ou promove-se tanto esse amor próprio que esquecemos o outro e tornamos o egoísmo um hábito”.
Desta maneira, segundo o filósofo, o individualismo estaria ligado também à falta da verdade: “ou seja, não quero que o outro saiba minha verdade já que o que projeto na mídia social não é real, de verdade. Quanto mais o indivíduo se afasta, mais prioridade dá a outros aspectos da vida, como o trabalho, por exemplo. De outra forma, quanto mais pessoas sabem sobre sua vida nas redes sociais, menos questão você faz de efetivamente estar com as pessoas, pois elas podem acabar por comprovar que a sua vida é o contrário do que é exposto virtualmente”.
O excesso de motivacionais e o exagero na medida do chamado amor próprio também contribuem para o aumento da indiferença: “O incentivo ao amor próprio exagerado na era dos coaches motivacionais, que educam as pessoas a amarem tanto a si mesmo, faz com que elas não saibam diferenciar o que seria saudável, um equilíbrio. Se colocar no lugar do outro afeta alguns dos comportamentos mais comuns dessa geração. Dá preguiça se colocar no lugar do outro e falta tempo pra isso. A capacidade de nos colocarmos na posição do outro advém da incapacidade que, por vezes, temos de anular a prioridade que damos a nós mesmos”.
Conceito sobre o disconnect na rede social
A facilidade de desconectar do outro, para o filósofo, aumenta esse individualismo:
“Antes da existência da rede social, era mais difícil eliminar as pessoas que não gostávamos de nossas vidas, tínhamos que arrumar desculpas, até mesmo mentir. Isso nos obrigava a fazer um exercício intelectual, nos obrigava a ter conhecimento de manobra e dávamos a oportunidade do outro se moldar melhor à nossa aceitação ou nós nos moldarmos melhor para que fossemos aceito pelo outro. Com a rede social é fácil, você conecta a um “amigo” e desconecta esse “amigo”, a hora que quer. Seria o aceitar a solicitação de amizade ou excluí-la simplesmente e até mesmo bloquear. No final, não nos colocamos no lugar do outro, nem nos preocupamos com o outro e estamos sempre sozinhos em meio a multidão.”
Qual a solução para uma sociedade com mais empatia?
O filósofo aponta que a humildade é a solução para que tenhamos mais empatia, que é a capacidade de se por no lugar do outro e de se sensibilizar com o próximo: “Humildade é crucial para que possamos ter uma vida melhor. Eu chamo de humildade natural cognitiva, que é uma humildade que vem de nossa natureza ou trabalhada ao longo da vida. Natural, pois a humildade artificial é percebida pelo cognitivo alheio, causa rejeição e é motivo de piada. A humildade prevalece à compaixão, que é a necessidade de ouvir o outro. Quem não é humilde não respeita, não sente compaixão, não se identifica com o outro pois sempre se acha melhor que o outro. A humildade é um modo de inteligência ativado onde o reconhecimento e o prestar a atenção no outro sugere ganho de conhecimento. Saber ouvir é o melhor meio para o conhecimento cognitivo e nos salva do individualismo”.
Fonte: MF Press Global